quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

As Paixões da Alma



"As maiores almas são capazes dos maiores vícios, como também das maiores virtudes".

Art.148. O exercício da virtude é um excelente remédio contra as paixões.
Se bem que essas emoções inferiores nos atinjam mais de perto e possuam, consequentemente, muito mais poder sobre nós do que as paixões que se encontram com elas, e das quais diferem, é certo que, uma vez que a alma tenha sempre do que se contentar em seu íntimo, todas as perturbações que provêm de outras partes não dispõem de poder algum para prejudicá-la; mas antes servem para aumentar a sua alegria, pelo fato de, vendo que não pode ser por eles ofendida,  conhece com isso sua própria perfeição. E, para que a nossa alma tenha por que estar contente, necessita somente seguir estritamente a virtude. Pois, quem quer que tenha vivido de tal forma que sua consciência não possa censurá-lo de jamais haver deixado de fazer todas as coisas que reputou serem as melhores (que é o que denomino aqui seguir a virtude), recebe daí uma satisfação tão intensa para torná-lo feliz que os mais veementes esforços da paixão jamais têm poder suficiente para perturbar a tranquilidade de sua alma.

Art.152. Por que motivo podemos estimar-nos.
Posto que uma das principais partes da sabedoria é saber de que maneira e por que motivo cada pessoa deve estimar-se ou desprezar-se, exporei aqui minha opinião. Percebo em nós somente uma coisa que possa nos fornecer a justa razão de nos estimarmos, que é a utilização de nosso livre-arbítrio e o domínio que possuímos sobre as nossas vontades; pois é apenas pelas ações que dependem desse livre-arbítrio que podemos com razão ser elogiados ou reprovados, e ele nos torna de algum modo semelhantes a Deus, fazendo-nos senhores de nós mesmos, desde que não abdiquemos, por covardia, dos direitos que ele nos outorga.
[...] Se evito exprimir meu juízo a respeito de uma coisa, quando não a concebo com bastante clareza e distinção, é evidente que o emprego muito bem e que não estou equivocado; porém, se decido negá-la ou afirmá-la, então não emprego como devo meu livre-arbítrio; se garanto o que não é verdadeiro, é evidente que me equivoco, e mesmo que julgue de acordo com a verdade, isto não acontece, a não ser por acaso e eu não deixo de errar e de empregar mal meu livre-arbítrio; pois a razão nos ensina que o conhecimento do entendimento deve sempre vir antes da determinação da vontade.
Descartes em As Paixões da Alma


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