Se nos voltarmos para as restrições que só se aplicam a certas classes da
sociedade, encontraremos um estado de coisas que é flagrante e que sempre foi
reconhecido. É de esperar que essas classes subprivilegiadas invejem os
privilégios das favorecidas e façam tudo o que podem para se libertarem do seu
próprio excesso de privação. Onde isso não for possível, uma permanente parcela
de descontentamento persistirá dentro da cultura interessada, o que pode
conduzir a perigosas revoltas.
Se, porém, uma cultura não foi
além do ponto em que a satisfação de uma parte de seus participantes depende da
opressão da outra parte, talvez maior - este é o caso em todas as culturas
atuais-, é compreensível que as pessoas assim oprimidas desenvolvam uma intensa
hostilidade para com uma cultura cuja existência elas tornam possível pelo seu
trabalho, mas de cuja riqueza não possuem mais do que uma quota mínima.
Em tais condições, não é de esperar uma internalização das proibições
culturais entre as pessoas oprimidas. Pelo contrário, elas não estão preparadas
para reconhecer essas proibições, têm a intenção de destruir a própria cultura
e se possível, até mesmo aniquilar os postulados em que se baseia. A
hostilidade dessas classes para com a civilização é tão evidente, que provocou
a mais latente hostilidade dos estratos sociais mais passíveis de serem
desprezados. Não é preciso dizer que uma civilização que deixa insatisfeito um
número tão grande de seus participantes e os impulsiona a revolta, não tem nem
merece a perspectiva de uma existência duradoura.
Freud, em O Futuro de uma ilusão, Vol. XXI (1927).